27.12.12

Tu que não és meu: da Tua


Se me tivesses permitido, alma dispendiosa, ter-te-ia lido o coração; Agora? Agora só quero que te voltes, nunca voltando.
Eu aqui, toda feita de lufadas de ar frio e embebida em mil sons aleatórios do chã a encontrar-se com a minha garganta e tu, tu ai, deitado sobre outro ninho hoje entornado por álcool: corpo mole, cheiro a cigarro, cai esperando que tu te perdoes e no entanto acabou, o meu bafo frio e a tua incoerência vão de encontro uma à outra, porque o chã perdeu-se.
A toalha já esta envolta no meu corpo e hoje, hoje, despi-me sozinha na mesma sala onde outrora te pintei nu. A tua sala numa outra casa, água cai sobre mim na nossa casa, vidros estilhaçados nas veias da tua loucura e o meu cheiro por ai, eu sinto, aí se sinto! Ele bebe com trabalho a tua mente, mas cheiro a nada e caibo dentro de uma bainha esburacada. Será que por hoje sou ser perdido na invisibilidade de um tempo que já não é meu? Se o sou desata-me a mão e deixa-me voar, mas de vez, sim estou a pedir-te para te perder, para me perder de ti e para encontrar-me comigo. Pois tu, tu és ser que já não me pertence, à medida que eu, eu ocultada pelas gramas de distância: já abandonada na esquina e clara para o mofo do passar dos anos, sim eu, eu sou ser que te pertenço ainda, sei que ando a viver num tempo em que não reajo, mas eu já fiz, eu já quis ser contigo aquilo que nunca fui com ninguém, mas tu sempre foste comigo um tanto polido, desmaquilhado e hoje? Hoje tornaste-me poeira de ti.
A toalha caída sobre um chão resfriado, o surtia ainda sobreposto no meu peito, a roupa emaranhada e desprezada pela casa e eu dentro da nossa banheira. Já só sinto a água, não me sinto há uma desmembração: a anestesia do teu tempo debruçou-se sobre mim.
Eu pensei, oh pensei! Toma partido das minhas palavras, eu pensei que a incapacidade habitava em mim, mas hoje sou tão ou mais capaz que tu afinal tu deixaste o único pedaço de mim, insolente e egoísta, aquele que te ama.
Levantaste-te do sofá e mais uma garrafa cai, impune e em dois golos, sobre as veias da tua loucura, sobre o teu estomago quente, a água deixa de cair sobre mim, deitaste e adormeces sem sonhar comigo, saiu nua e ensopada pela transparência da água da banheira, tocando o chão gélido e rasgando frieza em mim e sento-me, tal e qual como vim ao mundo, na varanda do terraço deixando-me a fumar um maço de tabaco por inteiro enquanto chove de mim sobre mim.
Passado uns dias, talvez meses, acabaste por acordar em sobressaltos pois eu estou ai, ainda, a percorrer-te o sono, a casa, a mente, o meu cheiro por ti, em ti, sobre ti e para ti. Já eu fechei o coração.