Se me tivesses permitido, alma dispendiosa, ter-te-ia lido o
coração; Agora? Agora só quero que te voltes, nunca voltando.
Eu aqui, toda feita de lufadas de ar frio e embebida em mil
sons aleatórios do chã a encontrar-se com a minha garganta e tu, tu ai, deitado
sobre outro ninho hoje entornado por álcool: corpo mole, cheiro a cigarro, cai
esperando que tu te perdoes e no entanto acabou, o meu bafo frio e a tua incoerência
vão de encontro uma à outra, porque o chã perdeu-se.
A toalha já esta envolta no meu corpo e hoje, hoje, despi-me
sozinha na mesma sala onde outrora te pintei nu. A tua sala numa outra casa, água
cai sobre mim na nossa casa, vidros estilhaçados nas veias da tua loucura e o
meu cheiro por ai, eu sinto, aí se sinto! Ele bebe com trabalho a tua mente,
mas cheiro a nada e caibo dentro de uma bainha esburacada. Será que por hoje
sou ser perdido na invisibilidade de um tempo que já não é meu? Se o sou
desata-me a mão e deixa-me voar, mas de vez, sim estou a pedir-te para te
perder, para me perder de ti e para encontrar-me comigo. Pois tu, tu és ser que
já não me pertence, à medida que eu, eu ocultada pelas gramas de distância: já
abandonada na esquina e clara para o mofo do passar dos anos, sim eu, eu sou
ser que te pertenço ainda, sei que ando a viver num tempo em que não reajo, mas
eu já fiz, eu já quis ser contigo aquilo que nunca fui com ninguém, mas tu
sempre foste comigo um tanto polido, desmaquilhado e hoje? Hoje tornaste-me
poeira de ti.
A toalha caída sobre um chão resfriado, o surtia ainda
sobreposto no meu peito, a roupa emaranhada e desprezada pela casa e eu dentro
da nossa banheira. Já só sinto a água, não me sinto há uma desmembração: a
anestesia do teu tempo debruçou-se sobre mim.
Eu pensei, oh pensei! Toma partido das minhas palavras, eu
pensei que a incapacidade habitava em mim, mas hoje sou tão ou mais capaz que
tu afinal tu deixaste o único pedaço de mim, insolente e egoísta, aquele que te
ama.
Levantaste-te do sofá e mais uma garrafa cai, impune e em
dois golos, sobre as veias da tua loucura, sobre o teu estomago quente, a água
deixa de cair sobre mim, deitaste e adormeces sem sonhar comigo, saiu nua e
ensopada pela transparência da água da banheira, tocando o chão gélido e
rasgando frieza em mim e sento-me, tal e qual como vim ao mundo, na varanda do
terraço deixando-me a fumar um maço de tabaco por inteiro enquanto chove de mim
sobre mim.
Passado uns dias, talvez meses, acabaste por acordar em sobressaltos
pois eu estou ai, ainda, a percorrer-te o sono, a casa, a mente, o meu cheiro
por ti, em ti, sobre ti e para ti. Já eu fechei o coração.