7.10.12

Tu que não existes



Pelo sabor do Outono anseio-te ainda mais, é como se te quisesse a percorrer a ventosa cloral que se dilui no meu corpo cada vez que o toca. Sim, a ti, tu que não existes.
Ouço o relógio da rua despertar do seu sono com duas leves pancadas e o mau humor matinal acercasse, efeito de uma diminuição de horas, talvez. Limpo as remelas e olho a janela já desfocada: folhas em quedas, os pássaros desaparecem deixando apenas de si os dejectos nas telhas das casas, folhas em quedas, os sapatos dos cavalheiros deixam sons estaladiços encurtar o sossego, folhas em quedas, o meu olhar elevado contempla já o cinzento, folhas em quedas, avistasse as primeiras botas de senhora, formosas diria, folhas em quedas, os ventos, as chuvas…
Amanhecer já se faz tarde e por ele o Sol escureceu. Epicamente e sem modos rigorosos escolho o vermelho, coloco o gorro e deixo por trás de mim morrer-me o figo do pequeno-almoço, sigo em frente, bato a porta e aceito o coração Humano, aceito que também preciso de ti, meu amor desconhecido? Ao contrário de ti, sempre te quis, senão, sendo tu inculto perante os meus presos sentimentos, não te culpo…
Passa tempo entre nós e por nós, aquilo que eu sei e aquilo que eu não sei, passa, pois passa. Eu não espero que chegues nesse tempo, sei que a tua existência morre no momento em que penso em ti, mas deixa-me imaginar-te por lá, isso já me deixa sobreviver.
A manhã já começou a ter fim, os carros, numa azáfama costumeira do dia-a-dia, molham as pessoas na berma que procuram um lugar para almoçar e a minha caminhada foi interrompida por um banco de jardim, lá me sentei e lá beneficiei de um amarelecer da paisagem de Verão.
Finge-te então e deixa-me sentir, só uma vez, só um minuto, que não estou só, sentada, num banco embevecido em lembranças dos outros, com espaço, separada do mundo por mil ventos, sem ti  e a procura de mim.