23.9.12

Pedaços de Ama em mim - 3 e última parte


(Continuação)


Abraçou-me, pois já à dois anos que mais ninguém ela podia abraçar naquela casa, de estatura baixa e de estilo campestre, deu-me um beijo na testa, colocou o chapéu e comeu uma tosta das que lhe preparei, (sim! curvou-se e colheu-a do chão, como se estivesse a colher uma alface aprazível do nosso campo), olhou duas vezes pela janela enquanto a molhava de saliva e sorriu a quem lhe revirava os olhos pelo exterior, sorriu tão inocentemente que os fez chorar com o choque; Com a falta próxima? A falta de si?
Colocou a mochila às costas, saiu para a bicicleta, atirou-me um ar de cor esperançada pela sua retina verde e foi. Foi sem mim. Foi perder-se no mundo.
Então, então hoje posso dizer que foi nesse dia que o nosso vento perder o amor, que as flores campestres se acastanharam, que o gado deixou de ter origem, que o outono passou a fazer parte do ano inteiro, que eu comecei a perder-me em mim e a desvanecer-me numa cadeira-baloiço, deixando-me deteriorar, ficando fétida, mas acima de tudo foi nesse dia que comecei a ver pessoas a esgueirar-se pelas ruas, a sumir-se da aldeia, a procurar o amor. Foi nesse dia, foi, que ela nos ensinou que amar não é ficar, é ir. Amar é não ter.
Mas reconheço, ela deixou-me sem nunca me deixar. Ela dá amor, ela ama sem. É por isso que hoje sentada na minha cadeira-baloiço, fedendo um aroma a cebo ou não, posso dizer que conheço todos os recantos do mundo, porque procurei por ela, e senti-a, senti-a em todos os ventos, como se ela fosse um olor que me perseguia, como se ela estivesse hoje mesmo a roçar-me a alma e a aprimorar-me a pele acabada, quando decido abrir a janela e o vento me atinge. Pedaços de Ama em mim, eternos.