Abraçou-me, pois já à dois anos que mais ninguém ela podia
abraçar naquela casa, de estatura baixa e de estilo campestre, deu-me um beijo
na testa, colocou o chapéu e comeu uma tosta das que lhe preparei, (sim!
curvou-se e colheu-a do chão, como se estivesse a colher uma alface aprazível do
nosso campo), olhou duas vezes pela janela enquanto a molhava de saliva e
sorriu a quem lhe revirava os olhos pelo exterior, sorriu tão inocentemente que
os fez chorar com o choque; Com a falta próxima? A falta de si?
Colocou a mochila às costas, saiu para a bicicleta,
atirou-me um ar de cor esperançada pela sua retina verde e foi. Foi sem mim.
Foi perder-se no mundo.
Então, então hoje posso dizer que foi nesse dia que o nosso
vento perder o amor, que as flores campestres se acastanharam, que o gado
deixou de ter origem, que o outono passou a fazer parte do ano inteiro, que eu
comecei a perder-me em mim e a desvanecer-me numa cadeira-baloiço, deixando-me
deteriorar, ficando fétida, mas acima de tudo foi nesse dia que comecei a ver
pessoas a esgueirar-se pelas ruas, a sumir-se da aldeia, a procurar o amor. Foi
nesse dia, foi, que ela nos ensinou que amar não é ficar, é ir. Amar é não ter.
Mas reconheço, ela deixou-me sem nunca me deixar. Ela dá
amor, ela ama sem. É por isso que hoje sentada na minha cadeira-baloiço, fedendo
um aroma a cebo ou não, posso dizer que conheço todos os recantos do mundo,
porque procurei por ela, e senti-a, senti-a em todos os ventos, como se ela
fosse um olor que me perseguia, como se ela estivesse hoje mesmo a roçar-me a
alma e a aprimorar-me a pele acabada, quando decido abrir a janela e o vento me
atinge. Pedaços de Ama em mim, eternos.