Ouvir cada transparência tua desfazer-se no pó que corta é
como não pensar enquanto ando, como esquecer os gestos, como voltar a nascença,
como quebrar a vida, como tornar-me animal. Sim, o mavioso.
Aqui vou eu, mais uma vez, entranhando a carne do meu corpo
duro, escurecido pelo teu sol, no pó que corta, lentamente, sem problemas,
precinto reconforto e levanto-a sem dó, insossa, com medo que ela se abafasse
pelo ar de quem já se foi, de quem se dilui no vento e consegue, somente, nos
cantar ao ouvido.
Aqui vejo eu. A saudade de quem nunca esqueceu, as mágoas de
um receio perdido, as dores de uma doença quebrada, os odores dos cheiros mais
esverdinhes, dos cheiros apodrecidos pela alfazema, aqui te vejo eu. Como se me
possuísses sem saber, ocultado pelas forças de quem nunca me vai ver, ter,
tocar, sentir? Aqui te vejo eu, como se escondida pelas conchas e dejetos que
viajam regaladamente sobre a tua corrente.
Aqui pertenço eu. Aqui me entrego eu, desnudada, pés no
vidro por esquentar, cabelos libertados pelo refrescar do vento e corpo, sim
corpo, corpo sem pano, corpo pelado, a caminho de ti, em ti, arrepiado,
perdendo a cor, clareando-se, substituindo a matéria sangrenta por matéria aquosa,
olhos límpidos, cada vez mais clara, transparência abarcada, sinto-me molhada,
sou molhada, agora, sou água, sou tu, tomaste-me parte, pertenço-te. Mar.