4.3.12

A primavera

O fastio dos dias repercutidos tem chegado ao seu coração, brando, como um grito abafado que o seu inalado teima em apregoar. É incomum a forma como o seu olhar se cruza com uma primavera próxima, mas ela anseia que está chegue sem ela esperar, querer ou contar com a mesma, aquela primavera que nunca chegara, ela todavia a esperou, suavemente.
Ontem estava um dia apático, pluvial e propicio ao devaneio pelo mundo das angústias, mas ela, melancólica e esmorecida, deitou-se no abafo do regaço das músicas abrasadas que em suas peregrinações tinha escutado, e silenciosamente quebrou o silêncio torpe do seu quarto, ouvindo desta vez o que antes apenas tivera escutado.
Ao ouvir a delícia que em seus ouvidos passava imaginou os lugares por onde os seus olhos anteriormente se tinham realizado ao sentir-se primaveris, aqueles lugares em que os seus pés se juntavam na correria do dia-a-dia quase se consumindo nas apressuradas passadas; virá as flores desabrochadas rompendo uma nascente de luz, as herdades abrasando-se fogosamente, os arrepios despertarem a sua atenção para os animais que cobravam alento, os mendigos que davam a sua alma e os abundantes que sem se aperceberem, se suspeitavam ésteres, sobre tal abastança de beleza.
Sentindo-se protegida pelo vento fogoso da utopia que a embalava, naquele quarto frio e monótono, onde ainda se testemunhava um lôbrego e lastimável dia pela janela, ela decidiu encostar as suas pestanas superiores as inferiores e viver o ilusório, como se este fosse dela.  
Neste caso, com a página diária virada e com a sua alma navegando um outro mar, num outro mundo, ela, com o seu habitual bem-estar nos lábios e com o verdejo dos seus olhos tapado, as lágrimas começaram a perder o equilíbrio, latejando-lhe a pele enquanto pelo seu rosto escorriam, deixando-a fragmentar o sossego negrume do seu quarto dizendo, “Flor de algodão que alcançaste a minha mente, espalhando pequenas brancuras pelo meu ser, lembra-te que eu continuo aqui, edificando os meus dias, esperando que está primavera utópica se torne real, ou que pelo menos uma outra se cruze comigo e preencha estes braços prontos a abraçar, está alma pronta a expelir mímicas carinhosas e este olhar pronto a brilhar. Mas sabes, não irei indagar, irei aguardar que a primavera se cruze comigo e me faça sentir navegadora de um outro mar num outro mundo, de olhos abertos. Flor de algodão, limpa então minhas lágrimas que perfuram instantaneamente o meu rosto, e deixa-me reconhecer a soidade delas.”