4.8.11

A Pianista


Encontro-me eu, dentro de quatro paredes, opacas, negras e sem uma única janela, identificam-se na perfeição com o que sinto de momento, um negro, um vazio.
Dentro da sala poderemos encontrar uma lâmpada, pendurada por um fio enorme que se prendeu a porta e logo de seguida no canto de uma das paredes onde foi colocado um pouco de fita cola para a lâmpada não cair, denotando-se assim dentro da sala uma enorme sombra, que se identifica na perfeição comigo. Num outro canto, onde a luz fraca e pequena já não se alcançava, encontra-se uma caixa com cartas, cartas essas que deseja voltar a receber...mas, voltando a sala, dentro dela, nada mais havia, apenas eu e o meu piano no seu centro.
Estava sentada em frente ao piano, estava com umas calças de ganga, umas sandálias que me saiam pelo pé fora quando caminhava, uma camisola preta de alças que mostrava na perfeição o quando tinha emagrecido, um casaco azul marinho que descaia na perfeição no meu corpo e o cabelo preso o que fazia com que se nota-se mais os ossos no pescoço e o rosto pálido e magro que tinha, nem parecia que em tempos tinha sido tão feliz, nem parecia que hoje tinha apenas vinte e dois anos. 
Sentada no piano tocava as nossas musicas de verão, natal e pascoa, sentada no piano chorava a tua ausência, sentada no piano lembrava-me de tudo, tudo aquilo que nós vivemos num certo passado.
Toco, e de repente olho para trás e vejo as tuas cartas, as cartas que enquanto estavas fora, que enquanto estavas no mar, aquele mar forte, intenso, cheio de tempestades, me escrevias semanalmente, o amor que nelas mostravas, a alegria que nelas transmitias e a força de que mesmo com a distância o nosso amor vencia todas as barreiras e se está era uma delas, porque não vence-la? 
Eu todas as semanas te respondia, parecia tudo tão normal, parecia tudo tão vulgar, tu estares a viver o teu sonho no mar e eu a viver o meu cá no sul da América, já estava tão habituada que a tua "casa" fosse no mar e as tuas "ferias" a meu lado, já me tinha habituado a que nem tudo poderia ser como os nossos anos de escola e que a partir do momento em que fizemos as nossas vidas continuaríamos com o nosso forte amor mas os objectivos em primeiro lugar, já me tinha habituado a sentir-te bem pertinho mesmo estando tão longe de mim. E mesmo assim, tudo acabou, o mar levou-te e agora nem nas ferias te posso ver, apenas recordar o que éramos, atrás de umas cartas.
Caminho em direcção a elas, toco nelas e essas cartas ainda me mostram um cheiro forte, intenso, têm uma mistura de cheiro a mar e ao teu perfume, e algumas ainda tem areia e algas ou estão rasgadas por causa de alguns dos temporais. As garrafas onde me as mandavas já estão partidas e espalhadas pela sala toda, por causa dos meus nervos mas as cartas guardeias, mesmo notando-se algumas lágrimas ainda a escorrer nelas.
Hoje, passado mais de dez meses desde que te perdi, hoje que estou no primeiro dia ferias de verão, hoje que era o dia em que te esperava neste sala e vinhas cá ter e começávamos as ferias sempre com a nossa musica, hoje, ainda aqui te espero todos os primeiros dias de ferias de verão, natal e pascoa, pois sempre que cá venho sinto uma brisa, daquelas brisas que só se sente se alguma janela estiver aberta, e como não existe janelas na nossa sala tenho a certeza que és tu que me tocas no rosto. E sempre que toco a última nota da nossa musica, por magia, um último toque no piano se ouve, o mesmo toque que tocavas enquanto davas uma enorme gargalhada no fim da música.
Continuarei a cá vir, e de hoje para a frente só cá virei nos primeiros dias de ferias. Este será o nosso espaço,  o nosso segredo, estes três dias por ano serão os nosso dias de encontro.
Continuarei a viver o meu sonho, mas um novo espaço arranjarei. Continuarei a lutar por ele, não por ti, mas sim por mim. Sofrerei muito, mas se ficar parada sem viver o meu sonho, acabarei comigo mais tarde e nem tu o querias. Por isso te digo, eu continuarei a viver o meu sonho cá, e tu? ai, no além, porque afinal, não morreste, desapareceste apenas a fazer o que amavas, por isso estás feliz.
Nós, não acabou, apenas acabei de fazer um novo começo, incluindo-te.

Ps: Sinto falta de um abraço, não um mero abraço, mas uma abraço que ninguém me pode dar.